Haddad: a gente não teve a grandeza de sentar à mesa juntos e falar, ‘Isso aqui põe em risco o Brasil’
Faltou compreender que tinha uma agenda de Estado em que o PT e o PSDB deveriam liderar o processo de transformação, independentemente de quem estivesse no poder.
Recentemente entrevistei o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que declarou que se pudesse reviver o passado, teria se aproximado não só do Lula, mas de forças políticas progressistas em geral. Depois de ter ido à uma ópera na companhia do Prefeito Fernando Haddad, resolvi não só investigar a reciprocidade desta ideia, mas também a saúde da nossa democracia. O conteúdo integral da entrevista em vídeo e texto pode ser encontrado no meu blog da Folha e no YouTube.
Fernando Grostein – Prefeito, muito obrigado por me receber, especialmente nesse momento de tensão pré-eleitoral do país. Eu queria começar a entrevista falando um pouquinho sobre democracia, tendo em vista que o Rio de Janeiro está sofrendo uma intervenção federal com militares no comando, a escalada de candidatos autoritários, alguns inclusive com falas que pregam a tortura, o fechamento do Congresso, o assassinato de líderes políticos, tortura, você entende que a ordem democrática no Brasil está ameaçada?
Haddad – Em 1964 houve uma ruptura institucional de uma vez por todas, e nesse caso está havendo um processo lento e não tão gradual de solapamento das instituições democráticas, e isso é muito preocupante. O próprio Fernando Henrique Cardoso, se não me engano, em uma entrevista para você, disse que quando o governo é fraco, ele recorre ao poder militar. Um governo civil constituído, legitimado pelas urnas, não tem a necessidade de recorrer ao poder militar para garantir a segurança pública das pessoas. Há muitos outros expedientes na Constituição para realizar exatamente aquilo que os cariocas clamam, com razão. Há vários outros expedientes que dariam resultados até superiores ao da intervenção militar. Inclusive essa figura da intervenção setorial, uma intervenção em uma pasta só do governo do Rio de Janeiro, já é uma coisa que soa mal à luz da Constituição. A Constituição fala em intervenção no Estado, mas é uma intervenção total, substitui o governador. Então lá tem uma espécie de duplo comando: o governador que cuida de tudo e o interventor que cuida da segurança pública. Quando eu falo de solapamento, eu faço referência a isso. É uma série de casuísmos. É como se nossa Constituição estivesse virando uma colcha de retalhos, interpretada à luz das circunstâncias, à luz do clamor das ruas, e não a partir da solidez que o edifício jurídico tem que ter, porque aí sim você vai estar garantindo a segurança das pessoas.
A democracia está sofrendo uma espécie de perigo progressivo ou são solavancos que fazem parte de um país jovem, que está se estabelecendo ainda com 500 anos?
Quando a gente diz que a democracia está em risco, fazendo essas distinções históricas de um golpe militar que depõe o presidente da República, é para mostrar que o que está acontecendo agora não é menos grave. É diferente, mas não é menos grave. E se não houver uma tomada de consciência nós não sabemos onde isso vai parar. Mesmo em relação às eleições, nós temos que tomar cuidado, porque muita gente que não é democrático se apresenta como democrático para vencer uma eleição. Então está surgindo no país, por exemplo, um discurso que eu chamo de “neoliberal regressivo”. Neoliberal porque quer retomar uma agenda selvagem de diminuição do Estado, dos direitos sociais, em proveito do capital, da acumulação de capital. E regressivo de costumes, ou seja, jogando na vala comum toda a conquista de direitos civis, políticos e sociais conquistados a partir da Constituição de 1988 no Brasil. E alguém pode se apresentar como um democrata e vencer as eleições com um discurso que vai acabar prejudicando os eleitores em um segundo momento, que talvez não tenham a clareza do que significa essa plataforma para um país nas condições do Brasil. Porque o neonazismo, o neofascismo que existe hoje no mundo inteiro já é grave no mundo desenvolvido, mas no mundo semiperiférico ou periférico ele tem efeitos até mais deletérios, porque uma sociedade em constituição tem pouca capacidade de reação quando não se vê representada no poder. Quando você elege mal um governante na Europa ou nos Estados Unidos, a própria democracia trata de corrigir pelo voto esses erros. Em um país fragilizado institucionalmente, essas fórmulas de autocorreção são mais vulneráveis, então precisamos ter muito cuidado, sobretudo com a eleição de 2018, que vai estar sendo realizada em um momento de muita comoção no país.
O senhor falou sobre o neoliberalismo. Muito se diz sobre quando a presidente Dilma foi afastada, de que havia falta de perspectiva por parte dos empresários em investir, houve uma grande perda de confiança, com a presidente inclusive sendo acusada de fazer um populismo econômico, por exemplo, na manipulação do preço da gasolina, gastos exorbitantes na Copa do Mundo, etc. Você não tem medo de quando você faz uma crítica ao neoliberalismo, você esteja sendo lido pelo mercado financeiro como mais uma ameaça à volta do investimento, da retomada econômica, que tem um papel fundamental inclusive para combater a desigualdade e fazer com que pessoas que estão desempregadas consigam seus empregos e pessoas que estão em determinada posição de emprego ascendam socialmente? Em outras palavras: você considera que você é absolutamente contra o neoliberalismo ou alguns elementos do neoliberalismo?
Tem que separar as coisas. Eu tenho um compromisso com a liberdade, em primeiro lugar. Eu acho que o ser humano se caracteriza por ser um ser livre, então nós temos que garantir a liberdade de empreendimento, de manifestação, à liberdade crítica…Todas essas liberdades são uma conquista da modernidade que são frutos de lutas sociais muito intensas. Nada disso caiu do céu, nada disso foi entregue de mão beijada. Até o sufrágio universal é uma conquista da organização dos trabalhadores, do movimento social, das mulheres sufragistas, enfim. Até o voto que é uma coisa que parece tão natural foi conquista do movimento social. Quem tem poder não abre mão do poder. O poder é conquistado e partilhado a partir das lutas de base, estão aí todos os exemplos históricos: a luta dos negros nos Estados Unidos, das mulheres pelo voto, dos pobres que não tinham direito de votar. Os trabalhadores passaram a votar há pouco mais de 100 anos, não havia eleição, o voto era censitário, dependia da renda. Os analfabetos não podiam votar, enfim. Isso tudo é fruto de conquista social. Então a liberdade tem que estar, tem que ser a força norteadora de qualquer plataforma na contemporaneidade. Nós temos que defender as liberdades, todas elas. Do outro lado, tem a questão dos direitos. Quando a gente fala de direitos humanos as pessoas logo pensam no direito dos “humanos do mal” que estão presos, mas o direito à educação pública é uma conquista social, as salvaguardas constitucionais e legais do trabalho digno é uma conquista social, o direito à saúde universal no Brasil no caso do SUS… O direito ao voto é um direito humano, o direito do negro frequentar a mesma escola do branco, de ter acesso à universidade. O direito da comunidade LGBT a ter sua segurança, sua integridade física respeitada, seu direito de ir e vir em segurança respeitado. Então essa agenda é uma agenda nossa. É uma agenda que em geral a direita reluta em defender. Agora, eu entendo que o Estado não pode desaparecer do horizonte, porque ele é o garantidor de boa parte desses direitos. Direitos políticos, civis e sociais não existem sem a garantia do Estado. Então o Estado tem que estar presente na vida nacional para garantir esses direitos em um ambiente de liberdade. Esse é o papel do Estado. Um Estado que não garante saúde e educação para o seu povo é um Estado deficiente. Um Estado que não garante liberdade religiosa, de orientação sexual. E há também na economia setores em que o Estado pode e deve intervir. Primeiro: o Estado deve garantir a concorrência. Será que o Estado brasileiro está combatendo os monopólios e oligopólios como deveria? Na minha opinião, não. Nós temos um sistema nacional de defesa da concorrência. Ele está atuando para impedir que os oligopólios e os monopólios interajam com a sociedade em proveito próprio? Isso é o Estado que faz na área econômica, no domínio econômico. Há alguns setores estratégicos da economia. Óbvio que o mais lembrado é a questão do petróleo, mas será que a questão da água não é estratégica? Por que há no mundo desenvolvido toda uma preocupação do Estado regular determinados setores estratégicos. O Vale do Silício não existiria se não houvesse investimento em inteligência feito pelo governo americano na área militar, mas que transbordou a área militar que foi aproveitada por milhares de microempreendedores, alguns deles donos hoje das maiores potências econômicas do planeta. Mas saiu de onde aquele conhecimento? Não é papel do Estado investir em ciência e tecnologia? Nós estamos na contramão disso, nós estamos cortando o orçamento de ciência e tecnologia, cortando o orçamento da cultura. Então quando a gente fala de Estado a gente tem que sair dessa divisão “eu sou pró ou contra”. É ter inteligência para verificar qual é a atuação do Estado necessária para garantir liberdade, garantir direitos, e garantir um ambiente econômico favorável ao empreendedorismo, ao cooperativismo, à economia compartilhada. Então não existe uma sociedade sã sem a presença do Estado inteligente. Não é o Estado que reprime, não é o Estado que avilta direitos, não é o Estado que desrespeita o trabalhador, não é o Estado que fere de morte a iniciativa privada…Não é desse Estado que nós estamos falando. Nós precisamos de um Estado que interaja com a sociedade e crie o ambiente necessário para que todos possam progredir.
Mas por exemplo, a privatização do sistema Telebrás. Antigamente linha telefônica era considerada um bem, que você tinha que declarar no imposto de renda. E depois da privatização, obviamente alinhado ao desenvolvimento tecnológico que aconteceu, o telefone é muito mais acessível. Investigando essa questão do neoliberalismo, você considera que a privatização da telefonia brasileira foi um equívoco, ou é a forma que ela foi feita?
Eu acredito que em tese, não, embora não tenha sido feita da melhor maneira, porque eu acho telefone no Brasil muito caro. Se você comparar com outros países, até latino-americanos, a gente paga uma tarifa maior. Eu não vejo uma discussão no mundo desenvolvido de que manter a telefonia estatal seja estratégico, para quem quer que seja. Não ouço essa discussão acontecer como acontece no caso da água, muitas vezes no transporte público, na questão do petróleo, do óleo e gás…Então tem algumas questões estratégicas que são discutidas. Na telefonia não. Mas o nosso modelo deu ensejo a um serviço caro e não muito elogiado pelos usuários. Você não tem o suporte que você deveria ter pelo preço que você paga. Mas não é um setor que exigiria reestatizar, muito pelo contrário. Acho que tem que aperfeiçoar o marco regulatório. Muitas dessas concessões vão vencer na próxima década. É o momento oportuno…Você veja a Eletropaulo aqui em São Paulo. As pessoas reclamam que os fios da cidade não foram enterrados, mas também não tinha no caderno de encargos da privatização compromisso da empresa distribuidora de fios subterrâneos. Então o que eu quero te dizer é o seguinte: existem setores que precisam ser mantidos. Eu estou vendo agora o Alckmin falar de vender os bancos públicos. Eu sou contra vender banco público, por exemplo. Eu sou a favor de mais concorrência, inclusive. Eu acho o setor bancário no Brasil muito concentrado. Acho que nós temos que criar mecanismos de desconcentração do poder dos bancos no Brasil. Mas eu manteria sob controle estatal os dois bancos públicos que têm uma importância crucial para a agricultura, no caso do Banco do Brasil, e para infraestrutura urbana, sobretudo no caso da Caixa Econômica Federal.
Mas ter bancos públicos não aumenta a probabilidade de escândalos de corrupção?
Veja bem, quando foi criada a controladoria geral da união pelo Lula com status de ministério, foi o governo Lula que criou, isso deu uma bela arrumada na esplanada. A controladoria atuou, e você ouvia cada vez menos falar em corrupção na administração direta, e mesmo na administração autárquica. É de se notar que é preciso mudar o marco regulatório da indicação das estatais. Evidentemente não funcionou bem. E uma das razões é porque a controladoria não tinha instrumentos para agir nas empresas, sobretudo de economia mista, que deveria. Hoje, há uma percepção de que as empresas estatais precisam de um marco legal mais robusto, do ponto de vista do seu funcionamento. Isso não significa jogar a criança com a água do banho. Significa que tem uma tarefa a cumprir, e que pode ser cumprida. Mas eu tenho convicção em dizer que eu não vejo um país sair da sua situação de desenvolvimento, que nós temos, para uma situação melhor, sem uma atuação estratégica do Estado. Não vejo como isso acontecer. Isso não tem nada a ver com escolher campeão, com favorecer grupos em detrimento de outros, não é disso que eu estou falando. Vários estudos mostrando que o Estado muda a sua relação com a economia, mas ele muda sem desaparecer. Tem vários trabalhos sobre as novas relações do Estado com a economia, com a iniciativa privada, mostrando caminhos de desenvolvimento. Vou citar um exemplo do qual eu participei: o que é o ProUni, que tanto foi criticado, tanto pela direita quanto pela esquerda? Estávamos sozinhos lá. É uma parceria público-privada, mediante a qual, ao invés da universidade privada pagar os impostos em dinheiro, ela paga em bolsas de estudo. Isso não é o estado fazendo seu papel de oferecer educação gratuita para jovens de baixa renda que não tem ainda acesso à universidade pública? Não foi uma maneira de corrigir uma distorção do nosso sistema? Do mesmo jeito que as cotas, a reserva de vagas para escola pública nas federais garantiu o acesso do pobre, o pobre que entra na faculdade privada hoje tem a possibilidade de dois programas: um de bolsas, que é o ProUni, e um de financiamento barato, que é o Fies. Então são formas de você organizar a economia que não demonizam a iniciativa privada, mas submetem ela a uma regulação precisa e que inclusive promove a parceria, como no caso do atendimento, são quase 2 milhões de brasileiros pobres que já chegaram aos bancos universitários em função de uma parceria público-privada. Então o que muitas vezes eu vejo no debate é estigmatizar as coisas. Tanto o PSDB quanto o PSOL eram contra o ProUni, por razões diferentes. E nós ali atravessamos o fio da navalha para mostrar que ali era uma oportunidade de atender a juventude negra, a juventude pobre desse país com instituições de ensino reguladas pelo poder público.
O senhor se sente mal compreendido pela iniciativa privada?
Não, eu me dou muito bem com empresariados. Sou uma pessoa que tem um trânsito muito fácil entre o empresariado. Por onde eu passei, sobretudo Ministério da Educação e prefeitura, o diálogo com a iniciativa privada sempre foi muito rico. Isso não significa que meus interesses se confundam com os deles. Como agente público, você está representando a população como um todo, e não um setor específico.
Geralmente, digamos que você não identifica um entusiasmo grande no mercado financeiro, por exemplo, e da iniciativa privada, com o PT. Você acha que, de certa forma, você paga um preço por ser um político do PT? Porque eu, pelo menos, não leio muito entusiasmo recente do setor financeiro, da iniciativa privada, com a legenda da qual o senhor faz parte.
Eu acredito que esse pessoal nunca comprou muito o PT. A história do Brasil é marcada por um mando oligárquico, por arbítrio. As pessoas têm dificuldade em abrir mão das coisas até quando ganham. Até quando estão ganhando, elas se incomodam com o que os debaixo estão ganhando também. Então tem uma cultura no Brasil difícil de mudar, e a gente tem que mudar isso pelo exemplo, pelo convencimento, não é uma tarefa simples. Eu vivi os anos Lula, e eu digo para você: talvez tenha sido o período de maior prosperidade para todos os brasileiros. Era um modelo que funcionou bem. Aí teve todos os episódios já conhecidos, erros do governo, um tipo de oportunismo da oposição que resolveu, ao invés de fazer oposição no governo, fazer uma oposição ao país, e que recrudesceu demais. Uma crise que era para ter um tamanho, teve um tamanho N vezes maior. Não precisaríamos estar nessa situação, se houvesse uma compreensão de que tem uma agenda de Estado que é diferente da agenda de governo. Você não faz oposição para botar o país a pique. Como por exemplo, questionar resultado eleitoral no dia seguinte da eleição, entrar com ação pedindo recontagem de votos, entrar com ação falando de abuso do poder econômico. Logo quem? O Aécio Neves, que depois acabou se revelando a pessoa que hoje detém uma parcela grande da rejeição à classe política. Então tudo isso precisa ser ponderado. Agora é a hora de reconstituir os campos, sabendo que tem uma agenda que é nacional, que é o país que vem na frente. E tem as divergências partidárias do campo da centro-esquerda, do campo da centro-direita, que vai ser debatida durante a eleição, mas sem colocar o país em risco.
Quando o presidente era o Fernando Henrique, ele e muitas outras pessoas faziam críticas parecidas com as que o senhor fez agora, dizendo que o PT fazia oposição ao país e não ao governo, em várias matérias. Ele inclusive, na entrevista que fiz recentemente com ele, disse que várias conquistas do governo dele foram ou rejeitadas pelo PT, ou tiveram seus nomes mudados. Como o senhor enxerga esse binômio PT e PSDB?
Olha, eu acho que quem já foi do governo tem que dar exemplo. Eu acho que o PT mudou muito depois que foi governo, porque a experiência de ser governo te amadurece, é natural que isso aconteça. Veja como o discurso dos candidatos que nunca foram governo é diferente, porque as pessoas, às vezes até de boa-fé, acham que dá para fazer milagre em quatro anos. E não é assim. As estruturas são complexas. O que dá é para você estabelecer uma diretriz, mostrar o rumo que o governo está indo. Então eu acho que o fato do governo Fernando Henrique ter terminado mal avaliado não é responsabilidade do PT, porque o PT não teria essa força de fazer um governo bom ser mal avaliado pela população. Há incompreensão a respeito de algumas medidas do governo Fernando Henrique que foram boas para o país? Há, até hoje. Isso também faz parte da política, quando a população não entende muito bem o que você está propondo, efetivamente, o que é essa visão de longo prazo que você está propondo. Agora, o fato é que o Fernando Henrique se constituiu como uma liderança de centro-direita no país, e o Lula se constituiu como uma liderança de centro-esquerda e organizou esses dois polos. Nesse sentido, eles organizaram a vida nacional em torno de ideias relativamente claras sobre como encaminhar o desenvolvimento do país.
Pensando nesses muitos anos de binômio PSDB e PT no governo, o que você enxerga como conquistas e erros desses dois grupos partidários?
Vários aspectos da organização do Estado brasileiro vieram no bojo da estabilização monetária. Foi possível organizar uma série de coisas que estavam muito desorganizadas pela hiperinflação. Então há um legado de organização que se deve ao fato da moeda ter se estabilizado. Então se aproveitou aquele contexto para organizar certos setores da máquina pública. No caso do PT, eu acho que o PT organizou uma agenda de desenvolvimento inclusivo. Nós nunca tivemos desenvolvimento inclusivo no Brasil. Mesmo quando você pensa no “milagre econômico” da época da ditadura, você vê que a desigualdade nunca foi enfrentada para valer. A educação nunca foi prioridade no Brasil. Veja o que aconteceu com o orçamento do Ministério da Educação durante o governo Lula. O governo Fernando Henrique deixou um orçamento no MEC que era uma brincadeira. Eu cheguei lá um ano depois e era coisa de criança. Eu, quando deixei o Ministério da Educação, deixei como um dos ministérios mais importantes da república, com mais de 100 bilhões de reais de orçamento, saindo de 20. Então eu acho que o governo Lula desenvolveu uma tese de que era possível um desenvolvimento socioeconômico inclusivo. Aquela ideia do Lula de não governar só por um terço da população vingou. Ela foi demonstrada na prática como viável. E eu acho que a parcela mais pobre da nossa população é parte da solução. Essa coisa do Lula de pensar o desenvolvimento socioeconômico a partir da inclusão, é uma sinalização clara de que os pobres do Brasil são parte da solução, e não parte do problema, se eles forem engajados como protagonistas na economia, na sociedade, tiverem acesso à universidade, tiverem acesso a crédito, tiverem acesso a terra, tiverem acesso a casa própria, tudo isso resolve o país. Não é um fardo, é o contrário disso. Então eu acho que essas duas contribuições foram dadas e compreendidas.
E os erros?
Eu acho que o maior erro do governo Fernando Henrique foi não atacar a desigualdade. Ela permaneceu inalterada durante oito anos. Vindo isso da parte de quem veio, uma pessoa com a formação que o Fernando Henrique tem, é grave. O Fernando Henrique escreveu a obra dele acadêmica é voltada para essa questão da escravidão, a questão do negro, a questão da exclusão. Então um governo que, a estabilidade veio com o Itamar, Fernando Henrique à frente do Ministério da Fazenda. Durante oito anos, você não teve nenhum enfrentamento com a questão da desigualdade, que é o principal problema do país. Da parte do Lula, na minha opinião, também houve um erro grave, que foi não ter feito a reforma política. É óbvio que aquilo era um calcanhar de Aquiles, é óbvio que o sistema partidário brasileiro precisava de uma alteração profunda, era evidente que nós não íamos longe com aquele sistema. Eu acho que a gente estressou pouco. Alguém dirá, “Mas não era possível conseguir, não ia aprovar…”, mas nós estressamos pouco. Então nós devíamos ter dado um passo no sentido de sanear o quadro partidário no Brasil.
O que você quer dizer com isso é que são muitos partidos pequenos sem legitimidade que estão só se aproveitando da brecha da lei?
É, legendas de aluguel, legendas que não significam absolutamente nada para a população, não têm nenhum apelo ideológico, de visão de mundo, de valores e princípios. Aí você vai dizer, “Ah não, agora com a cláusula de barreira e o fim da coligação proporcional vai resolver”. Eu acho que não vai resolver. Nós ainda precisamos de novos passos para organizar o sistema partidário. Eu dei uma ideia recentemente, que é a ideia de fazer a eleição parlamentar acontecer no segundo turno, e não no primeiro. Porque aí o presidente eleito, o governador eleito, o prefeito eleito, não fica refém de uma coalizão artificialmente construída. Quem vai construir a coalizão em torno dele é o voto, é o eleitor, no segundo turno. Você vai ter ou um candidato já eleito no primeiro, ou dois candidatos com chances. E aí o povo vai organizar a oposição e a situação sabendo qual é a plataforma de cada um. A urna vai aprovar um plano de governo, e vai aprovar os parlamentares que vão apoiar essa plataforma. Então isso muda radicalmente. E isso depende de quê? Depende de muita pouca coisa. São pequenos arranjos. A França fez um pequeno arranjo nos anos 90 e está colhendo os frutos agora. A França está com um protagonismo na Europa inédito, a França que sempre vinha em segundo ou terceiro escalão, a Alemanha e a Inglaterra ditando os rumos da União Europeia, o Brexit tirou a Inglaterra do jogo, a Alemanha está perdendo importância frente ao protagonismo da França. Por quê? Porque a França conseguiu organizar seu sistema político de maneira a empoderar não o presidente, que hoje é o Macron, mas empoderar um projeto. Então, você sai da urna com um projeto. Nós não somos piores que os franceses, nós só precisamos ajustar as nossas instituições. Então essa é uma ideia simples.
Você acha que o PT errou em não apoiar o Plano Real?
Eu acho que o PT tinha uma avaliação de que o Plano Real seria mais um plano na ordem dos planos todos que fracassaram. Como ele foi feito muito no calor da eleição, imaginou-se ali que ele não teria sustentabilidade, e ele veio a ter. Então foi importante para o país, e governo Fernando Henrique aproveitou essa herança do governo Itamar, e na agenda da organização das finanças acabou produzindo bons resultados. A falha é social. O Plano Real não tinha uma dimensão social. Então minha resposta é sim e não; a parte boa do Real foi a estabilidade, mas ele não veio acompanhado de medidas sociais importantes, com a escala importante, era muito projeto piloto…
Mas de certa forma, um bom plano econômico acaba sendo um bom plano social por consequência, não é?
Não, a estabilidade é um bem em si, isso eu não nego. Mas se isso fosse suficiente, o Serra tinha ganhado a eleição. Então faltou efetivamente compreender que aquele momento era um momento de ouro. Você veio com a estabilidade, você tinha que vir com outros ingredientes. Então é como se o governo tivesse reinado em cima de uma conquista durante oito anos, imaginando que ela por si só fosse manter o poder nas mesmas mãos. Não é assim. As pessoas naturalizam as conquistas depois de um tempo, e querem que os problemas sejam enfrentados. Então eu acho que o governo Fernando Henrique reinou em cima da estabilidade, imaginando que isso por si só seria o suficiente para promover o desenvolvimento socioeconômico no país, e isso estava errado no Plano Real.
Aproveitando ainda o limite entre o econômico e o social, quando você teve as reivindicações de 2013, sobre Passe Livre e tal, você teve uma declaração célebre dizendo, em 2016, que “Aproveita que está pedindo Passe Livre, também pede almoço grátis e uma viagem para Disney.” Você acha que existe às vezes um descolamento de setores da esquerda entre o que é desejável e o que é possível, dado ao que o senhor mesmo citou durante essa entrevista, as estruturas governamentais que existem?
Eu não tenho nenhuma antipatia, muito pelo contrário, com aquela pauta de reivindicação. Eu lembro que dois meses antes das manifestações de junho, eu dei uma entrevista para a Folha de S. Paulo, reivindicando a municipalização da SID, que é um imposto que incide sobre a gasolina para os prefeitos do Brasil inteiro terem verba para não terem que aumentar a tarifa e terem que subsidiar uma fonte nova de arrecadação. Na verdade, nem seria uma fonte nova, é uma fonte velha, que seria municipalizada. Seria colocada à serviço das prefeituras para o subsídio do transporte público. Portanto, eu seria o último a declarar aquela agenda ilegítima. Curiosamente, essa proposta foi, sem mencionar a paternidade, foi incluída na carta do próprio MPL à presidenta Dilma. A única proposta que eles fizeram foi uma proposta que eu tinha feito dois meses antes em um jornal de grande circulação e que eu soube que eles leram. O que eu questiono de 2013 foi a forma com que eles se relacionaram com o poder público. Existia uma repulsa ao debate, ao diálogo. Uma repulsa a saber de onde ia sair o dinheiro para viabilizar aquela proposta. Depois, nós acabamos viabilizando o Passe Livre em São Paulo para quase 800.000 estudantes que deixaram de pagar a tarifa. Então, eu fui sensível. Tanto fui sensível que um ano e meio depois, sem ter prometido na campanha Passe Livre para ninguém, eu instituí o Passe Livre para estudantes na cidade de São Paulo, mas com os custos conhecidos. Mas a forma permitiu que a direita se apropriasse das ruas. Essa é a minha tese. A forma que os protestos se assumiram permitiu que os movimentos de direita se apropriassem das ruas, chegando a expulsar os pioneiros das manifestações que deixaram as ruas. E que foram mantidas cativas desse pessoal mais à direita, mais truculento, de MBL e correlatos.
Mas o senhor acha que existe, por parte de setores da esquerda, uma falta de compreensão das restrições orçamentárias da qual os governos têm que viver com elas?
Olha, da parte dos governos de esquerda, existe muito mais compreensão dos limites hoje. Depois que você passa pelo governo, você muda, passar por um governo educa. Você fica sabendo o que está acontecendo. Eu recomendo à todas as pessoas, mesmo que tenham pretensões de serem bilionários e tudo mais, passar dois anos dentro de um projeto político, de um governo com o qual ele tenha alguma identidade. Você vai ver o mundo diferente. Você vai reavaliar muitas das suas concepções. Então, eu acho que a esquerda que passou por governos é diferente da esquerda que não passou por governos. E o mesmo vale para a direita. A direita que não passou por governo acha que pode tudo. Eu vejo esse neoliberalismo regressivo ao qual eu me referi, ele não tem um só representante. O neoliberalismo regressivo, que é essa agenda de desmonte de direitos, inclusive políticos e civis, porque ela não se restringe aos direitos sociais, ela quer avançar. Veja aí a censura à classe artística, a censura aos cientistas, vêm todos desse pessoal. Você tem um Flávio Rocha, um Bolsonaro, um João Doria, você tem vários representantes dessa turma aí que é mais fundamentalista.
Falando nisso, o senhor tem vergonha de ter perdido para um candidato que se fantasia de gari para governar?
Não, eu não, eu não votei nele. (risos)
Falando ainda sobre a interação entre a questão econômica e a questão social, o nosso sistema de impostos no Brasil, já de muito tempo, acaba privilegiando os mais ricos em detrimento dos mais pobres que, proporcionalmente, pagam mais. Quando um mendigo vai comprar um saco de feijão ele está pagando proporcionalmente mais do que os mais ricos que, às vezes, têm estruturas tributárias sofisticadas de elisão fiscal. A própria classe média também, quando é carteira assinada, paga 27,5% de imposto. Agora, quando você tem a tributação sobre a acumulação de capital, é menor. Essa foi uma questão que os governos do PT, na esfera federal, não conseguiram atacar. Foi falta de força política, como o senhor vê isso?
O governo do Fernando Henrique aumentou 6% do PIB à carga tributária. Foi de 26% para 32%. Todos esses 6% incidindo sobre o consumo, ou seja, sobre os mais pobres. E, inclusive, desonerou a distribuição de dividendos, do pagamento de tributo, se eu não me engano, em 1995. Foi uma das primeiras medidas tributárias do governo do Fernando Henrique. O que o governo Lula representa nesse capítulo do orçamento? Não alteração da estrutura tributária do país, mas a inclusão do pobre no orçamento pelo lado do dispêndio. O Lula investiu mais no pobre o recurso público. Então melhorou o dispêndio com os pobres, mas manteve o modelo tributário herdado do governo do Fernando Henrique. Eu acho que o próximo governo vai ter que mexer na estrutura tributária. Ela não pode ser regressiva no ponto que ela é. É uma barbaridade. Como você tem inclusive limites fiscais para aumentar o gasto em relação aos mais pobres, você vai ter que, talvez mantendo a carga tributária atual, que está nessa faixa ainda, alterar a composição dela para melhorar a distribuição de renda no país. Então a redemocratização do país não alterou a estrutura tributária. Nós mudamos o orçamento, do ponto de vista do dispêndio nos anos do PT, mas não alteramos de onde a gente arrecada. A gente continua arrecadando errado. O pobre pagando mais que o rico, proporcionalmente.
Faltou o PT atacar as questões pelas quais ele se elegeu, que são o combate à desigualdade pela via econômica, não só pela via de programa social? Como o senhor falou, é custo, é despesa?
Eu faria um reparo, que além do dispêndio público que promoveu uma alteração grande, acho que no campo da geração de emprego, sobretudo se você pegar os acordos coletivos feitos durante todo esse período, sempre deram um ganho maior para o trabalhador em relação à inflação. Então no mercado privado, no mercado de trabalho, também houve ganhos significativos para os de baixo. Então você teve um conjunto de um lado de programas sociais, e de outro o mercado de trabalho estava aquecido e favorável ao trabalhador. Agora, a estrutura tributária, que é como se arrecada, essa se manteve inalterada desde 1988 praticamente. Obviamente com um congresso com esse perfil é bastante refratário mudar a carga tributária. Eu sempre dou o exemplo dos iates, aeronaves e helicópteros que não pagam IPVA, sendo veículos automotores, e o Fiat 147 que está rodando nas favelas que paga IPVA, 4%. Isso é mais eloquente, mas está cheio de injustiças no sistema tributário brasileiro.
O presidente Lula sofreu diversos ataques na sua vida pessoal, desde a eleição de 1989, e de certa forma, declarações hostis por parte de alguns empresários naquela época, tem aquela célebre dizendo que não sei quantos mil empresários…
800 mil.
É, [iam deixar] o país, e de certa forma nos primeiros 4 anos de governo Lula houve uma lua-de-mel. Esses ataques cessaram, como o senhor falou, houve prosperidade, desenvolvimento econômico e, pouco a pouco, esses ataques foram se escalonando e se intensificando. Coincidentemente ou não, assim que a Dilma assumiu, com um certo progressivo desequilíbrio das contas públicas, aumento do gasto com a Copa do Mundo, com Olimpíadas, gastos que nem sempre têm a sua eficiência, seja ela social ou de outra ordem, comprovados. Paralelo a isso, foram aumentando os ataques até que começou a eclodir, digamos, uma espécie de ódio doentio ao presidente Lula. Ao que você atribui essa escalada de ódio? Porque de certa forma, para governar você tem que fazer pactos, tem que fazer alianças, tem que fazer acordos com as quais nem sempre quem se elegeu está buscando isso. Em que momento você acha que se rompeu? Como o próprio presidente Lula falou em uma entrevista para Mônica Bergamo, são os yuppies do mercado financeiro que não aceitavam ele. Mas ao mesmo tempo, aceitaram depois. Como é que o senhor lê esse movimento de ataque ao presidente Lula até que chega no ponto em que está hoje?
Olha, primeiro que eu acho que aconteceu uma coisa no Brasil que precisa ser estudada com mais vagar. Os ricos ficaram mais ricos, os pobres ficaram bem menos pobres, e a camada intermediária estagnou e até perdeu posição relativa em relação aos extremos. Eu acho que isso gerou um ressentimento de pouca atenção para aquele trabalhador que tinha o filho na escola particular, porque queria dar mais qualidade de ensino do que oferecido pela escola pública, que tinha um plano de saúde porque queria ter um atendimento médico superior oferecido pelo SUS. Havia um ressentimento das classes médias tradicionais que efetivamente não mudaram de patamar. Ela viu o rico se distanciar e o pobre se aproximar e falou: “Poxa, e eu aqui que estou trabalhando, ralando, não estou vendo a minha vida mudar.” A gente tinha que cuidar dessa camada social intermediária, porque às vezes não se tratava só de bens econômicos. Às vezes era um chamado para um país mais justo. Então tinha até aberto uma agenda, uma agenda política com estes setores intermediários. E esse ressentimento se acumulou, e obviamente que os escândalos acabaram alimentando esse sentimento. Acho que tanto no caso de 2005 ao mensalão, quanto no caso da Petrobrás, alimentaram um certo ressentimento. Mas sem o primeiro componente, eu acho que ele não se explicaria. Tanto é verdade que os escândalos do PSDB não geram a mesma comoção nessas mesmas pessoas. Porque se fosse uma onda anticorrupção, nós, em relação à DERSA, o metrô, a CPTM, teríamos que ter a mesma indignação que devemos ter com qualquer caso de corrupção no país. E a gente vê que essa indignação um pouco escolhe o alvo. Ela não é igual para todo mundo. A própria justiça não está demonstrando ser igual para todo mundo. E não sou eu que estou dizendo. Tem uma matéria na Folha de S. Paulo falando que o Paulo Preto é o único sujeito com conta no exterior que não foi preso. E quem tem conta no exterior certamente tem o que dizer a respeito dela, não é? De onde veio 113 milhões de reais? Uma pessoa que é funcionário público, como é que tem esse volume de recurso? Com um currículo conhecido da figura, né? Um currículo extenso na área de financiamento eleitoral e apropriação de recursos públicos. Então você vê que setores exclusivos da própria imprensa já têm notado que há uma diferença de tratamento.
Eu sou uma daquelas pessoas que cresceu vendo horário político, eu lembro claramente que durante todas as eleições uma das grandes bandeiras do PT era o combate à corrupção. E a gente teve o escândalo do mensalão, tivemos aquela entrevista célebre do presidente Lula em Paris, em que ele falou que de certa forma relativizou o caixa dois, e falou que na verdade é óbvio para todo mundo que se dispõe a encarar os fatos com seriedade, que o caixa dois existiu em quase todas as campanhas, e há muito tempo. Como você vê essa ligação dos escândalos de corrupção do PT que tinha como sua principal bandeira combater, naquela época, a corrupção? Quer dizer, onde você traça a linha entre o que é erro do partido, motivado talvez pela necessidade de jogar o jogo para poder governar, do que não foi?
É evidente que existe um gradiente de comportamentos menos graves e mais graves. Isso nem sempre é feito pela própria imprensa, e eu acharia útil que fizesse. Embora todo erro deva ser condenado, você não pode comparar uma pessoa que assaltou os cofres públicos para enriquecimento pessoal, de um vereador que não registrou 5 mil reais que foram doados para a campanha dele num jantar. Dinheiro lícito. E eventualmente não declarou para a justiça eleitoral. Então tudo é crime. Tanto esse caso mais simples, um jantar que você fez ali uma vaquinha para financiar santinho de boca de urna, é crime, e o sujeito que fez um escalabro com o dinheiro público. É crime. Existe um gradiente enorme. Do que eu vejo, eu acho que tem muito político que admitiu receber recursos não contabilizados para pagar dívidas de campanha, mas que não pensavam que esse recurso pudesse ter origem ilícita. Acho que isso aconteceu, e acho que a justiça precisa dar um tratamento para esse sujeito que está previsto na lei, que é duro, mas é proporcional ao delito. E para os outros, que aí envolveu outro tipo de estratégia e operação, as penas têm que ser agravadas, porque não se trata de uma mera deficiência contábil, não é um vacilo contábil. É um esquema de corrupção para enriquecimento pessoal. Qual que foi o erro na minha opinião? Eu volto para a frase que eu já disse. Por que que surgiu o termo “tolerância zero”? Ou a teoria das janelas quebradas, que é uma outra leitura de fenômenos semelhantes?…
Que provocou o inchaço do encarceramento em massa americano.
…Exatamente. É que quando você vai tolerando pequenas falhas, e justificáveis pela disputa e tudo mais, você vai abrindo espaço para os grandes bandidos se apresentarem e usarem essas frestas, que eram menores, para transformar num rombo enorme. Então a não percepção de que isso poderia levar ao enriquecimento de um diretor de uma estatal, seja a Caixa, seja a Dersa, seja o centro administrativo lá de Belo Horizonte. Enfim, você começa a abrir a possibilidade de grandes crimes serem cometidos. Então eu acho que faltou, e faltou de todo mundo, a percepção de que os homens e mulheres de bem tinham que ter sentado à mesa e falar: “Isso não vai dar certo. Nós estamos dando muita margem para o azar, porque já já vai aparecer gente que vai usar essas frestas aí que nós estamos deixando abertas para operar grandes esquemas”. Então faltou o que os cientistas políticos costumam dizer: existe uma agenda que é de Estado, e não pode separar os partidos, porque é o fortalecimento das instituições que está em jogo. E existe uma agenda que é disputável, que é de partido. Eu defendo A, você defende B, mas isso é no âmbito partidário. Faltou compreender que tinha uma agenda de Estado em que o PT e o PSDB deveriam liderar o processo de transformação, independentemente de quem estivesse no poder.
O Fernando Henrique falou na entrevista que fiz a ele que o que separa o PT e o PSDB no passado era muito mais disputa de poder do que disputa ideológica. Sugerindo, inclusive, que os partidos – e eu até noto isso depois de entrevistar ele por uma hora e entrevistando você por uma hora – que os partidos têm muito mais em comum do que diferenças. Inclusive falou que se pudesse ter voltado no tempo teria se aproximado do Lula e forças progressistas, e comentou inclusive também que foi à uma ópera com o senhor, até como um gesto político.
Sim.
Essas afirmações e movimentos fazem sentido para o senhor?
Fazem. Eu acho que o PT tem críticas ao governo do Fernando Henrique. Uma delas é a agenda social. O PSDB tem uma crítica aos governos do PT, sobretudo ao governo da presidenta Dilma, porque em relação ao Lula em 2010, você há de lembrar que o Serra não fez oposição ao Lula.
Inclusive usou um vídeo dele na campanha.
Chegou a usar um vídeo dele. Quer dizer, em 2010, nem o PSDB fazia oposição ao Lula. Então tudo isso é um pouco verdade.
E a Dilma também é um pouco mais PDT do que PT, né?
Eu não saberia…
Ela veio do PDT e com uma outra atuação estatal. Posso estar enganado, mas eu enxergava o presidente Lula mais alinhado com o mercado financeiro, com a figura por exemplo, do Henrique Meirelles, do Palocci; e a Dilma um pouco mais com a postura de intervencionismo estatal. Por exemplo, a manipulação do preço da gasolina, manipulação da energia…
A Dilma de fato tinha um diagnóstico de que a crise internacional era temporária. Ela achou que aquelas medidas, que você chama de “intervencionistas”, eram para acomodar um processo de transição, e isso se mostrou equivocado. Esse diagnóstico não estava certo. E depois ela foi dar um “cavalo de pau” na reeleição que também não estava certo.
Com o Levy.
Com o Levy. Porque ela talvez tenha tentado corrigir uma falha com outra. A falha de diagnóstico do primeiro mandato com a nomeação de um sujeito que invertia o sinal em 180 graus. E aí você transmite sinais imprecisos e conflitantes para o mercado e o mercado não sabe como se posicionar, então você retrai o investimento em uma dessas. Não bastasse isso, a oposição usou e abusou da vulnerabilidade e da fragilidade e jogou lenha na fogueira da crise, na qual nós estamos até hoje. Então houve ali uma conjunção de fatores muito desagradáveis que, somados, gerou uma crise tão grande. Agora, se nós soubermos separar o que é diferença de visão de mundo de partido daquilo que é fortalecimento das instituições livres, democráticas, republicanas do país…Se a gente souber operar nessa dupla agenda…Você fala: “Mas isso é uma maluquice.” Não. Todo país opera assim. Na hora que os Estados Unidos estão em algum tipo de risco, os presidentes todos se unem. Não importa se é democrata, republicano, tem uma questão maior ali que é a saúde da nação. Isso eles sabem preservar mais do que ninguém. Eles disputam, Obamacare, Trumpcare, tudo bem, isso faz parte do jogo. Mas na hora que os interesses americanos estão em risco, eles falam a mesma língua. Isso nós não aprendemos a fazer aqui. Fruto de uma certa imaturidade política.
Do PSDB e do PT?
É, lógico. Como por exemplo, eu fui criticado por ter ido à ópera com o Fernando Henrique.
Era boa a ópera, pelo menos? (risos)
A ópera era muito boa e a companhia também (risos), porque as nossas divergências não podem implicar que a gente não pode sentar à mesa para conversar. Eu não preciso pensar igual a ele. Aliás, tem coisa mais enfadonha do que sentar com alguém que pensa exatamente o que você pensa? Não tem troca. A troca vem da diferença. Você tem que ter o que trocar. Então sentar com o diferente é um exercício democrático de aprendizado, inclusive, porque não estamos na vida para ensinar, nós estamos para aprender. Então é tudo educação política isso. Então eu fui jantar com Ciro Gomes, fui à ópera com Fernando Henrique, almocei com Carlos Siqueira, presidente do PSB, quando estive em Brasília na semana passada. Enfim, é parte da minha vida de professor e de militante político, acreditar que o diálogo produza efeitos mais benéficos para a sociedade do que cair em burrada sem discussão. Nós não vamos sair dessa sem muita conversa.
Então você acha que os partidos deveriam, por exemplo, ter se aproximado mais no passado? Porque, por exemplo, me parece que o PT e o PSDB têm mais em comum entre si do que, por exemplo, tiveram com a Igreja Universal através do PL, ou do Maluf, ou do PFL, do ACM. Você acha que houve um erro por parte dos partidos de não terem sabido compor para, como o senhor mesmo falou, não fazer oposição ao país?
Houve um erro em não separar a agenda. Houve um erro em não saber, em não vivenciar a experiência de entender que existe uma agenda que é partidária, onde as divergências se colocam, mas que tem que ter uma agenda de Estado quando você identifica um risco para a nação. Quando você identifica uma vulnerabilidade para o país, você tem que agir junto para impedir que isso aconteça. Então houve várias oportunidades em que os riscos aumentaram e a gente não teve a grandeza de sentar à mesa juntos e falar: “Isso não. Isso aqui põe em risco o Brasil. Nós vamos conseguir juntos isso aqui.”
O senhor tem convicção da inocência do presidente Lula nas acusações que ele está sendo imputado?
Eu tenho a convicção de quem leu o processo. Eu sempre repito que eu defendo a honra de uma pessoa independentemente de posição partidária. Fui perguntado já duas ou três vezes sobre as acusações que se faz ao governador Alckmin, eu disse: “Olha, trabalhei 4 anos como prefeito e ele governador. Nunca ouvi de um empresário. Porque essas notícias nos bastidores correm, sobre quem é correto e quem não é. Eu nunca ouvi de um empresário uma vírgula sobre a conduta do Alckmin, nenhuma vírgula”. Então entre a palavra dele, Alckmin, e a palavra de quem quer que seja que esteja aí, enrolado com a justiça, vou acreditar na dele, e acho que todo mundo deveria proceder assim. “Ah, tem uma prova cabal. Acharam uma conta no exterior em nome dele e não declarada para a receita federal”. Bom, não vou passar mão nem na cabeça de Lula, nem de Alckmin, nem de Fernando Henrique, nem de um filho meu. De novo, uma coisa é agenda partidária, outra coisa é agenda de Estado. Defender a honra de uma pessoa que você sabe que procede de maneira correta, você não pode fazer política em torno disso. Se você tiver clareza dessa separação, a gente vai longe. Agora se você quiser tirar uma casquinha, porque agora é ele que está na berlinda, mas você sabe que a pessoa não deve. Então eu li o processo e eu acho insustentável aquela sentença. Insustentável. Não tem por onde. Se você pegar três juristas do exterior que não conhecem o Brasil, tirar os nomes do processo, substituir os nomes e dar para três juristas julgarem sem saber sobre quem é o processo, eu duvido que saia uma condenação. Ou seja, despersonalizando o processo, ali não sai ninguém condenado. Pelo o que está nos autos, estou me atendo aos autos. Que é o que um juiz tem que fazer.
Se o presidente Lula for impedido de concorrer a eleição, qual que é a tua leitura da relação disso com a salubridade da nossa democracia?
Eu acho ruim sob todos os aspectos. Porque vai ficar mais uma mácula na nossa história democrática, e grave. Não é uma coisa qualquer o que vai acontecer, de maneira que eu preferia que isso tivesse um outro desenlace. E eu acho que não é um sentimento só meu não, e nem da centro-esquerda. Eu acho que é um sentimento de muita gente que não votaria no Lula, mas que entende que não é esse o caminho de estabilizar o país.
Como você lê o fato de que se o Lula está na eleição, ele está em primeiro nas pesquisas, e se ele não está, o Bolsonaro está em primeiro. Qual que é a coerência ideológica disso?
Na verdade, os votos do Lula não vão para o Bolsonaro. Os votos do Lula se dispersam, ninguém herda muita coisa. De 3% a 5% que cada um herda do Lula. E o grande salto é as pessoas que não querem votar em ninguém se o Lula não estiver na cédula. Então não é verdade que o Bolsonaro se beneficia diretamente da ausência do Lula. O que acontece é uma desorganização do espectro ideológico na cabeça das pessoas. Dispersa o voto e o que cresce muito é a rejeição à eleição, nesse primeiro momento. É o que as pesquisas estão indicando.
O senhor considera a possibilidade de sair como candidato à presidente caso o presidente Lula esteja impedido de concorrer a eleição?
Olha, eu não coloquei minha candidatura em nível nenhum. Eu recebi um convite, que não se viabilizou, que era de concorrer ao Senado aqui em São Paulo. Eu topei, desde que o Suplicy fosse consultado, porque havia a ideia de lançá-lo a deputado federal. Como isso não aconteceu, eu me recolhi e a nossa chapa é essa, está montada aí.
Mas o senhor tem vontade ou disposição de concorrer à presidência caso o presidente Lula se mostre impedido de concorrer?
Olha, existe hoje um sentimento de solidariedade ao Lula tão grande dentro do PT que, estou sendo muito sincero, ninguém conversa sobre isso nem nos bastidores. Ninguém conversa sobre isso. A gente acredita que em algum momento a inocência dele vai ser reconhecida. Agora, existe a chance de isso não acontecer? Existe. Mas nós não estamos trabalhando com essa hipótese e não estamos elaborando cenários, no caso dela ocorrer. Então é uma situação de risco? É uma situação de risco. Mas é uma situação de risco que nós quisemos assumir. Todos nós quisemos assumir esse risco. Então nós não vamos sair dessa linha.
Eu ouvi que recentemente numa convenção o Celso Amorim foi aplaudido e que está circulando também a possibilidade de ele ser candidato?
Eu não tenho essa informação. Sei que o Celso é candidato a governo do Rio. Mas enfim, é um grande quadro brasileiro de altíssimo nível.
Como é que você lê o nome do Ciro Gomes que, por exemplo, a mim me incomoda um vídeo no YouTube dele em que ele agride uma outra pessoa, chamando a pessoa de “viado”. E o PT, por exemplo, tem uma grande tradição de defesa dos direitos LGBTQs. Como você vê a candidatura dele?
Olha, das candidaturas que estão colocadas, você tem um campo da centro-direita, e até da extrema direita, em que eu diria que Bolsonaro, Marina, Alckmin, são os candidatos que já estão colocados desse campo. E tem um campo de centro-esquerda. Eu considero que o Ciro pode ser inserido num campo de centro-esquerda. Que está o Boulos, que está a Manuela, que está o Lula, e que está ele próprio. Existe identidade total em relação a esses quatro candidatos? Não. Porque se houvesse identidade total, não haveria necessidade de lançar quatro. Então são quatro candidatos diferentes. O Ciro não é um petista e nunca vai ser um petista. Não é. Então há diferenças entre ele e o PT? Sim. Mas ele está no campo da centro-esquerda hoje. E é óbvio que você pode fazer reparos, mas você vai fazer reparos a todo mundo. Não tem ninguém que não mereça algum reparo. Não tem candidato perfeito. Mas ele está em um campo onde se conversa, onde o diálogo é permanente. Então existe um solo comum que pode, no primeiro ou no segundo turno, apresentar uma solução para o país diferente do que está colocado hoje.
O João Doria se elegeu com a bandeira de que não era um político tradicional, emprestou termos da administração, como a palavra gestor, e logo em seguida desrespeitou o compromisso dele de ficar na prefeitura até o final. Traiu o seu padrinho político, que é o Geraldo Alckmin, ensaiando uma candidatura à presidência que não decolou, deu voltas pelo país tentando colher apoio à essa candidatura…Como é que você enxerga a atuação do João Doria?
É uma pessoa que não deixou nenhuma marca, não vai deixar nenhuma marca na cidade, a não ser o aumento da velocidade nas marginais, na contramão de tudo que está sendo feito de civilizatório no mundo. As secretarias estão totalmente desorganizadas, a prefeitura está desorganizada, e não é nem por deficiência. Uma pessoa que de 52 semanas passa 44 em viagens jamais esteve atento à cidade. Estava atento aos seus próprios projetos políticos. Eu disse no final de 2016, em uma entrevista ao El País, que as pessoas iam descobrir que eu era bem menos político do que o Doria (risos). Eu acho que é um político tradicional de direita que abraçou esse neoliberalismo regressivo ao qual eu já fiz referência, que é o sumiço do Estado na defesa de garantias mínimas do cidadão, tanto no plano econômico quanto no plano social. A quantidade de programas sociais que foram cortados em São Paulo nesse pequeno período…Você tem Leve Leite, Vai e Volta, Passe Livre, o orçamento da cultura, o orçamento da assistência, direitos humanos. Enfim, a quantidade de direitos que foram cortados em um ano, direitos sociais importantes para a população, é uma coisa impressionante. As AMAs que estão sendo fechadas, as obras paradas, essa é a marca que fica. Eu não acho que é isso que está motivando o voto. Acho que o que está motivando o voto são instintos, muito mais do que valores, forma muito mais que conteúdo, próprio de situações de excepcionalidade. Daí o perigo, né? O perigo que a gente corre é justamente esse.
Você atribui perder a disputa eleitoral para ele pelo fato da rejeição ao PT ter crescido?
Acho que uma série de coisas pesou. Acho que a recessão econômica foi muito forte. Eu peguei a pior recessão da história da cidade nos dois últimos anos de governo. Praticamente nenhum prefeito importante do Sudeste e do Sul se reelegeu ou fez o sucessor. Então o Sul-Sudeste está vivendo uma depressão ainda mais profunda que o país. O fato de Erundina e Marta terem saído candidatas, uma pelo PSOL e uma pelo PMDB, também pesou. A situação do PT em 2016 era o pior momento da história do partido, e a minha administração, que deve ter contrariado também interesses, pesou também. Gente que acha que a fiscalização do trânsito não deve ser feita, que ele pode andar na velocidade que ele bem entender (risos). Eu atribuo uma parte da derrota à medidas que eu tomei. Não tenho dúvidas disso. Mas tomaria igual, não me arrependo das medidas que tomei. Mas sei que elas desagradaram parte do eleitorado.
Você se considera socialista? Se sim, qual a leitura do socialismo que você faz?
Olha, eu escrevi quando tinha 26 anos o meu primeiro livro, em 1989, fazendo uma crítica, na minha opinião, brutal, do chamado Sistema Soviético. Naquela ocasião eu era muito crítico ao chamado socialismo “real”, ou realmente existente, mas que eu prefiro caracterizar como “despotismo moderno”. Porque para mim, Stalin, Mao, são déspotas modernos que estavam procurando industrializar os seus países em uma transição para o capitalismo, e não para uma sociedade libertária. Essa era minha tese de garoto de 26 anos. Eu mantenho minhas críticas àqueles modelos. Eu acho que não existe socialismo sem liberdade, inventividade. Acho que o socialismo é o encontro do homem com ele mesmo. É uma espécie de reencontro dos homens com a humanidade, com aquilo que nos faz humanos. E a falta de liberdade é o contrário disso. Como a extrema desigualdade também é o contrário disso. Você perde a noção de que você pertence à uma comunidade universal, que somos da mesma espécie, que temos todos vocações, talentos que precisam ser desenvolvidos. Acho que a gente vive num mundo muito desumano, que ceifa muito as oportunidades das pessoas, alija uma parcela significativa da humanidade da população que não viu a cor do mínimo necessário para se desenvolver. Então eu tenho uma visão bastante crítica das experiências autoritárias que entregaram mais igualdade à custo da humanidade. Eu não acredito em igualdade sem humanidade. Eu rejeito esse tipo de solução. A igualdade que é fruto do despotismo não é melhor nem pior do que a desigualdade em ambiente democrático. Na verdade, nós temos que encontrar uma justaposição dessas duas coisas.
Mas você se considera socialista?
Me considero.
Mas tem algum país que adotou o socialismo que você acredita?
Olha, eu acho que alguns países socialdemocratas europeus chegaram em um patamar de desenvolvimento humano que eu aprecio. Os países baixos, os países escandinavos, são países que tratam as pessoas de maneira muito mais igualitária, sem inibir a liberdade. Pelo contrário, foi aumentando a liberdade. Mas nós não precisamos ser tão ricos para sermos um pouco mais iguais, porque sempre tem a tese que diz que a gente não tem o nível de desenvolvimento econômicos desses países. Mas a nossa desigualdade é muito abjeta. Não precisamos esperar ficar tão ricos para nos tornarmos menos desiguais, até porque talvez nos tornando mais iguais, a gente fomente um desenvolvimento mais consistente da nossa economia.
Dá para dizer em linguagem mais simples que o tipo de socialismo que você acredita está mais perto dos países nórdicos do que da Venezuela por exemplo?
Nossa senhora! (risos) Claramente.
Eu, pessoalmente, que não sou cientista político, mas na carteira de cidadão comum leio que boa parte da motivação das manifestações de 2013 aconteceram pelo fato que as pessoas perderam poder aquisitivo e o país empobreceu, e que a forma que eles expressaram isso foi, em boa parte, por conta do combate à corrupção. Como se eles já tivessem sido roubados do gostinho de participar da prosperidade econômica que tinham experimentado em algumas ocasiões. Eu, pessoalmente, acredito que o brasileiro, infelizmente, não se incomoda com a corrupção, tanto é que o “rouba, mas faz” virou um legado. Então, tendo em vista a insatisfação das pessoas na esfera econômica, na esfera do quanto elas ganham, seja aquela pessoa pobre que hoje foi empurrada para a marginalidade, seja o pai de família de classe média, ou o empresário que não se vê motivado a investir, que garantias você acha que a sua legenda pode dar em resposta à questão econômica?
Bom, eu fiz uma análise um pouco diferente da sua de 2013. Eu entendo que uma parcela da sociedade perdeu posição relativa, e ela que manifestou contrariedade. Eu não vi os pobres fazerem isso, porque os pobres estavam em uma situação diferente desse segmento da sociedade. A passeata, quando a classe média tradicional se apropria das ruas, ela se apropria com aquela análise que eu fiz previamente. Então seu raciocínio, na minha opinião, vale para esse estrato da sociedade. Não vale para os trabalhadores em geral e nem para as pessoas de alta renda, que continuavam progredindo na hierarquia social, por assim dizer. Essa camada ficou estagnada e perdeu a posição relativa. Se nós tivéssemos tomado as providências fruto de outro diagnóstico da crise internacional, nós provavelmente teríamos perdido as eleições de 2014. Porque alguns ajustes iam ter que ser feitos. Mas o governo tinha a percepção de que o cenário ia mudar. E de fato mudou, as commodities recuperaram boa parte do preço. Mudou, mas não mudou no tempo político que o governo esperava. Esse que foi o problema. E aí nós geramos uma crise. A crise econômica foi potencializada pela crise política. Muito potencializada. Então nós teríamos um freio de arrumação, nós tivemos uma coisa muito mais severa do que isso. Eu entendo que o modelo de desenvolvimento inclusivo pode ser resgatado. Com imaginação. Não serão as mesmas fórmulas, mas eu confio que seja possível recuperar o conceito de desenvolvimento com inclusão. Ou melhor dizendo, desenvolvimento a partir da inclusão. Fazer do combate à desigualdade o motor e a alavanca de fomento do desenvolvimento econômico do país. Acho que é uma fórmula que se provou possível, e eu não penso que precisamos ter o mesmo cenário internacional para retomar esse projeto. Para compensar o déficit que existe hoje, nós vamos ter que usar a imaginação, vamos ter que usar outras fórmulas. Mas o princípio que tem que nortear o governo tem que ser aquele: desenvolvimento a partir da inclusão. E não é o que está acontecendo hoje, e não é o que vários candidatos estão propondo, de aprofundamento de uma agenda excludente para recuperar margem de desenvolvimento. Não acredito que isso vá acontecer.
Tem alguma outra coisa que o senhor queira declarar? Me tira daqui? (risos)
Não (risos).
Muito obrigado.
COLABORAÇÃO
ARTHUR STICKEL
ISABELLA FUSCO
MANDY PAIVA
PAULO EGIDIO DOREA