No Festival de Sundance, diretor Aly Muritiba fala do universo adolescente
Ex-professor de história e agente penitenciário, Aly Muritiba lança em Sundance o filme “Ferrugem”, com Giovanni de Lorenzi e Tifanny Dopke, no qual revela a história de uma adolescente que tem um vídeo íntimo vazada pelo WhatsApp e tem sua vida revirada.
Pai de um jovem 14 anos, o diretor mergulhou no mundo real e virtual dos adolescente, distanciando-se ainda mais do universo do cárcere, com o qual fez fama.
Em um chalé, fugindo do frio de Park City, o diretor me recebeu para esta entrevista ao lado da atriz Clarissa Kista, do montador João Menna Barreto e do produtor Antonio Junior.
(Tifanny Dopke em cena de “Ferrugem”, de Aly Muritiba)
Folha – Como surgiu a ideia de um filme adolescente?
Aly Muritiba – Além de agente penitenciário, fui professor de historia de ensino médio, então me relacionei bastante com adolescentes. Há dois anos, meu filho estava com 12 anos e eu comecei a ver a adolescência surgir em casa. Comecei a observar o quanto as redes sociais estavam presentes na vida dele. Tenho 38 anos, não vivi os anseios e dramas que os adolescentes [de hoje] têm, maximizados pelo universo virtual. Então o filme serviu para que eu me reconectasse com eles, com o adolescente que eu fui um dia e com o meu filho.
Seu filho colaborou de alguma forma?
Aly Muritiba – Meu filho é um leitor [meu] de muito tempo e reclama que as coisas que eu faço são tristes. “Pô, quando você vai fazer um filme legal e que a gente dê risada?” (Risos) Então a gente leu e conversou bastante. O longa foi filmado no colégio onde ele está até hoje e ele viu o processo de montagem, e opinava. O João [montador] mandava links e ele comentava “Pô, tá muito lento, tá dando sono”, enfim adolescente né?
João, como foi do seu lado, ter mais este cliente?
João Menna Barreto – (Risos) Na verdade a gente já montou vários filmes juntos e o “Ferrugem” ta bem dentro do que é o universo do trabalho do Aly, são sempre filmes de família, pais e filhos, casais. Eu nem lembro mais como foi. O meu trabalho é que nem música, o pé que corta (faz gesto musical) até achar o ritmo e a outra parte não sou eu quem faz, são os atores, e eles te dizem quando cortar. Quando o ator olha, caminha, fala… Tão ali todas as deixas para você achar o ritmo. Tem que perguntar é para a Clarisse.
A gente sente a pulsação da internet no filme, os efeitos, o “joinha”, os comentários…
Aly Muritiba – Desde sempre a gente conversou e achou que o filme tinha que ter um ritmo ligeiro e que tivesse a ver com o que é o mundo virtual. [Eles] conseguem pensar e dar atenção a vários assuntos ao mesmo tempo. A concentração deles é diferente da minha, é mais dispersa, mas, ao mesmo tempo, abarca um número a mais de informações. Então essa história de colocar no filme memes, aplicativos, já vinha de uma pesquisa que eu e a roteirista fizemos, para dar conta desse universo.
(Aly Muritiba, diretor de “Ferrugem”)
Clarissa, como foi trabalhar com o Aly?
Clarissa Kiste – Uma maravilha.
Pode falar a verdade…
Clarissa Kiste – (risos). Foi um trabalho muito fácil, porque quando a gente leu o roteiro estava tudo muito claro. As arestas estavam todas preenchidas. Como a mulher é retratada, esta nova mulher que esta empoderada e quer conquistar o seu espaço, quebrar dogmas… Foi uma filmagem muito especial e uma equipe muito unida. Casos raros de acontecer numa filmagem. Eu não vi o filme ainda, mas acredito que isto está no filme. O Aly é um guia e convence a gente a segui-lo: “Vem por este caminho, que é aqui que a gente vai encontrar o pote de ouro”.
O filme está revelando dois jovens atores adolescentes…
Aly Muritiba – Sim, um deles é o Giovanni [de Lonrenzi], que está na novela “Deus Salve o Rei” (Globo) e não pode vir porque está gravando. É um ator de uma maturidade difícil de encontrar num rapaz de tão pouca idade. Se tem uma coisa que eu gosto de fazer no cinema é o processo com atores, então, não abro mão de uma pré-produção longa. E o Giovanni foi de uma entrega intensa. Foram 45 dias de oficina para prepará-lo para o personagem que é bastante denso.
Como foi a transição de agente penitenciário para cineasta?
Aly Muritiba – É tudo muito recente. Eu comecei a fazer filmes em 2008, quando fazia faculdade de cinema. E neste período eu já trabalhava na cadeia, fui fazer a faculdade muito mais como válvula de escape daquele ambiente opressor. Eu imaginava que cinema era algo mais lúdico. Na faculdade comecei a fazer os primeiros curtas e gostei da ideia. E foi justamente fazendo filmes da cadeia que eu comecei a me destacar e vislumbrar a possibilidade de deixar a cadeia para fazer cinema, em 2013, quando eu estava rodando meu primeiro longa.
Todo mundo pode fazer cinema?
Aly Muritiba – Todo mundo pode filmar. E todo mundo filma. Isso é bom. Porque todo mundo adquire uma certa gramática, para fazer audiovisual e comunicar suas ideias. Agora, fazer cinema são outros quinhentos. Todo mundo pode fazer cinema, mas não sei se todo mundo deve fazer cinema. Por que tem gente que acha que pode, acha que faz, mas não faz.
(Clarissa Kiste, atriz, Aly Muritiba e João Menna Barreto, editor)
O cinema pode mudar o mundo?
Aly – Cinema pode mudar sensibilidades. Acho que não pode mudar o mundo, não. Eu espero que, de alguma maneira, os filmes que eu faço provoquem determinados debates. É por isso que eu tento mostrar pontos de vista distintos e injustiçados. Ele pode provocar um sentimento que está muito pouco fora de moda hoje em dia, que é a empatia. Se colocar no lugar do outro. Sou um homem branco, mas quem disse que eu não posso me colocar no lugar de um homem negro ou de uma mulher branca, ou de um homossexual, sendo hetero?
Clarissa – Muda a pessoa que vê. E quando muda a pessoa que vê, essa pessoa, vai lá e muda o mundo. Essa arte tem essa grande capacidade.
João – Eu quero acrescentar uma coisa. Quando a gente começou a trabalhar junto, o Aly sempre quis evitar caricaturas. E a imprensa tem a tendência a resolver as coisas com uma manchete fácil. Você sabe disso. Depois sai no jornal “carcereiro faz filme”. Nunca vi publicarem no jornal professor de história virou cineasta.