Uma revolução moral
O The New York Times publicou nesta semana um artigo assustador. Além do cadastro de crédito americano por pontuação (modelo em estudo para ser implementado no Brasil), surge um novo serviço de “proteção ao crédito” (leia-se invasão de privacidade), e empresas como a Sift vendem relatórios secretos sobre o perfil de cada consumidor.
No caso do repórter do jornal, o relatório tinha mais de 400 páginas e incluía até as mensagens dele com o Airbnb. Ou seja, notas secretas estão sendo atribuídas aos consumidores e são usadas para determinar se loja aceita um produto de volta e até a posição na fila de atendimento na hora de ligar num call center.
A Sift não é a única. Já existe no mercado americano a Zeta Global, Retail Equation, Riskified e Kustomer.
Este é mais um indicativo de a privacidade está ruindo pouco a pouco. Já não é novidade para ninguém quando falamos algo no WhatsApp, Facebook ou similar e surge um anúncio publicitário na sequência direcionado para tal. Estou morando nos EUA e na minha rua existe um serviço de segurança muito preciso. Cada carro que passa tem sua placa lida por uma câmera de segurança, que puxa a ficha criminal do dono do veículo e manda para uma rede social dos moradores. Parece legal se estamos falando de um criminoso perigoso, mas isso marginaliza ainda mais aqueles criminosos que cumpriram pena e querem se reintegrar à sociedade, ou aqueles que cometeram crimes menores. Imagina alguém que bebeu, dirigiu, acertou um poste e fica marcado para o resto da vida – sem diminuir de forma nenhuma o terrível crime de beber e dirigir.
Vou lançar aqui uma teoria, sem nenhuma possibilidade de provar, mas apenas para dividir a ideia com meus queridos leitores. Com a escalada rumo ao fim da privacidade, do reconhecimento facial e o que ainda mais está por vir, o mundo vai viver uma nova revolução moral.
Não são raros os casos de conversadores que são pegos praticando aquilo que condenam. Nas minhas andanças de cineasta, conheci um deputado republicano gay que passou a vida perseguindo os gays até ser pego em flagra. Na sequência se assumiu, respirou e mudou de lado. Se formos levantar líderes religiosos, a lista é imensa –de padres pedófilos a pastores bandidos que envergonham os praticantes da fé. A verdade é que ninguém está isento –lideres progressistas, praticantes da caridade, políticos, professores. Isso porque somos seres humanos, com id, ego, superego complexos, que erram, acertam, se desculpam, têm vergonha, curtem o seu lado b na privacidade e por aí vai.
Se antigamente era possível viver duas personas, hoje não é mais. Isso significa que os moralistas, dos praticantes aos pregadores, vão ter que lidar com a complexidade da natureza humana. Pais vão ter que abrir o jogo com os filhos sobre o uso de drogas na adolescência. Políticos vão ter que deixar claro que não são modelos sacros, mas são seres humanos, cheios de possíveis erros que percorrem sua vida tributária até a vida intima –quem sabe sua beleza real esteja aí e não no botox do horário político. No novo mundo que surge, todo mundo sabe de tudo.
Não sei o que vai dar, mas, com todos nós nus, teremos que lidar com nossa complexidade e quem sabe, floresça a aceitação nos cacos do moralismo.